- You smell like a cow!Este foi o "bom dia" de Peter para mim. Chão de uma estrebaria, com moscas pousadas em todos os lugares, e com um cheiro horrível no ar daria tudo para eu acordar de mal humor, mas a frase de Peter me fez gargalhar.
Arrumamos bem lentamente nossas coisas. Javi e Peter saíram na frente, e eu fiquei consolando Gemma, que começara a chorar. É, estava realmente terminando. Amanhã chegaríamos a Finisterre, o fim da Terra, o fim da viagem, a volta para casa. Ninguém quer voltar para casa, nem terminar o caminho. Esta é a coisa mais difícil que enfrentamos.
Encontramos Javi, Peter e Alvaro, um espanhol que conhecemos em Pontecampaña, num bar em Hospital, e seguimos juntos. Peter e Alvaro aceleraram o passo, deixando-nos para trás. Caí pela segunda vez na minha Via Crucis: desta vez, fui quase com a cara no chão. Bati o joelho, quebrei mais uma ponta do cajado e torci o pé direito, o mais zoado. Gemma me ajudou a tirar a bota e a meia, e Javi me fez uma massagem. Doeu pra cacete, mas adiantou. Voltei a andar normalmente, como se "quase nada" tivesse acontecido.
A uns 6km do nosso destino do dia, no início de uma descida de uma íngreme montanha, recebemos o presente que merecíamos, depois de quase 40 dias de caminhada: a vista de um maravilhoso horizonte azul, o mar. Daqui, à extrema direita, avistamos o Cabo Fisterra, que será o nosso ponto final, amanhã. Mais choro de Gemma, e eu também entrei na dança. Descemos, subimos e descemos mais umas montanhas, e chegamos em Cee:
playa! Andamos mais 1km e paramos num bar em Corcubión e, frente ao mar, tomamos cervejas e comemos frutos do mar. Reencontramos Marta, que havia andado mais rápido e chegara ontem em Finisterre. Ela voltou para trás para se despedir, pois amanhã cedo retornará à Zaragoza.
Dormimos na grama, ao lado do albergue. Eduardo nos emprestou a lona de sua barraca para forrarmos o chão.
Eduardo é argentino. Saiu de sua casa, em Buenos Aires, com dois cavalos e uma aventura na cabeça. Subiu toda a América Latina, atravessou os Estados Unidos, pegou um navio e chegou na Europa com um cavalo a menos, que morrera no percurso. Comprou outro cavalo e começou o Caminho de Santiago. Conheceu uma finlandesa que começou a acompanhá-lo. Nos encontramos pela primeira vez uns dois dias antes de chegarmos a Santiago. Depois de quatro longos anos montado num cavalo, estava chegando a Finisterre. Mas ali não será o fim de sua aventura. De Finisterre seguirá para Portugal, até lá embaixo. Depois Roma, depois Jerusalém, e lá pegará o caminho de volta para casa. Entrará na Argentina pelo sul do Brasil. Mais quatro anos. Oito, fora de casa. Quer escrever um livro, mas sugeri que escreva mais de um, afinal, oito anos é muita história para um volume só. Eu só consigo pensar numa coisa: como será voltar para casa, depois de oito anos afastado, realizando algo tão doido? Não sei se eu conseguiria me adaptar...
Total percorrido hoje: 19,5km